segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A grande frase

Rodrigo era um rapaz de poucas palavras. Largara a escola no segundo ano e como hobbie tinha apenas a leitura. Não praticava nenhum esporte e não ouvia nenhuma música. Mas tinha um sonho. O sonho de inventar a melhor frase de efeito do mundo. Tinha esse sonho desde que nasceu. Sentia que cada pessoa nascera destinada para uma certa coisa, e a sua certa coisa era criar a melhor frase de efeito do universo, melhor que qualquer provérbio chinês ou ditado popular já dito antes.
Queria algo dinâmico, forte. A frase das frases. Queria algo que não só fizesse as pessoas pensarem, como também as fizessem agir. Queria algo grande, poderoso, e ao mesmo tempo despretensioso. Esse era seu sonho. O quarto de Rodrigo não tinha nada, só folhas e folhas escritas frente e verso; tentativas em vão da Grande frase. Tinha uma cama e uma pequena televisão (que seus pais lhe deram na esperança de aliená-lo um pouco, sair da obsessão doentia), nunca ligada antes. Comia só para sobreviver e dormia apenas para descansar as ideias. Nascera somente com um propósito e quaisquer distrações eram completamente desnecessárias.
Até que em um dia, de manhã, aconteceu. Ele acordou já com a frase na cabeça, sem crer naquilo tudo. Tinha, finalmente, criado a melhor frase de efeito do universo e tinha certeza disso. Rodrigo mal conseguia acreditar. Depois de vinte e um anos, finalmente o tão esperado dia chegara. Aquele conjunto genial de palavras era algo tão poderoso que ele não tinha nem coragem de falar, muito menos escrever. Decidiu que sua missão na terra acabava ali. Começou a ligar para todas as pessoas que conhecia (e todas as que não conhecia também) e convidá-las para comparecerem em seu evento, onde dizia que algo inacreditável iria acontecer. Estava tudo marcado para a manhã do dia seguinte, no terraço do décimo andar de seu próprio prédio. O menino estava decidido. Iria proclamar a frase e se jogar do prédio. Era um final perfeito. Se o dia em que a frase chegou à sua cabeça já era o mais importante, imagina o dia em que as pessoas a ouvissem? Rodrigo já não conseguia pensar, de tão exausto que estava de sua bizarra (e contida) euforia. Foi dormir cedo, para estar o mais bem preparado possível no dia seguinte.
Acordou elétrico, repetindo mentalmente a frase o tempo todo. Ela era poderosa demais até para pensar. Enfim, subiu no terraço e uma multidão imensa estava lá. A falta de informação que as pessoas tinham sobre o que ia acontecer criara uma curiosidade tão grande que todos também estavam eufóricos e ansiosos para o que ia se seguir. Tinha gente da mídia, gente da família, antigos colegas de escola, vizinhos e muitos desconhecidos que ouviram de um amigo que ouvira de outro amigo que algo bizarro iria acontecer.
Rodrigo deu passos firmes em direção ao parapeito, subiu nele e apenas com um gesto, conseguiu conter o povo, criando um silêncio mais que sepulcral. Ventava muito lá em cima e o frio só aumentava a tensão de todos. Rodrigo fechou os olhos e repetiu mentalmente a frase mais uma vez em sua mente. Deu uma pausa e enfim a declarou. Em seguida, pulou. Morreu sorrindo e satisfeito.
-Caramba, que menino louco! Se matou! O que foi que ele disse, hein?- perguntou um dos curiosos que assistira à cena
-Não sei, não deu pra entender nada, tá ventando muito.
E o povo, sem entender muito bem a sucessão de fatos estranhos que ocorrera, foi se dissipando e a maioria conversava sobre o vento, que realmente estava muito forte àquela manhã.
Agora o "indo" tem muitos acessos - de riso.


*bateria*

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Cigarro na janela

Outro dia li que o cigarro é a ampulheta dos tempos modernos, achei a ideia muito interessante, mas não foi até outro dia que vi ela sendo totalmente funcional, pelo menos para mim.
Sempre antes de dormir me levanto da cadeira e fumo um cigarro na janela. Enquanto fumo admiro as poucas luzes restantes nos predios e os poucos carros passantes na avenida ao lado, visão está que contrasta gritantemente (por seu silencio) com a paisagem tão cheia de vidas e luzes que era a mesma ah algumas horas atrás. Enquanto admiro, penso, penso que sou louco, penso nos problemas da vida, penso nas risadas amigas e no trabalho que ainda tenho pela frente. Enquanto penso, percebo o que fiz de bom e o que fiz de errado, o que não deveria ter feito e o que me arrependeria se não tivesse. Percebo que preciso melhorar, junto com todo o resto do mundo.
Alguns minutos depois o cinzeiro está cheio e a ambula superior está vazia. Finalmente chega minha hora, o momento que eu evitei ao maximo que se consumasse, a hora de abandonar a serenidade inebriante da noite, somente para acordar pouco tempo depois na sobria claridade de mais um dia.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Nuvem

Abraçar o teu corpo
é como abraçar uma nuvem;
traz as lágrimas que chovem
a doçura de um algodão doce...

E o lamento, quão sereno...
toda vez que eu me lembro;
elevo minha voz contra o vento
– é inútil,

como a nuvem, foi-se o tempo.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Perfume

Nem apunhalada eu fui,
que a dor é mais sutil.
Do deslize na hora do beijo,
a dúvida que insiste em partir...
Essa minha dor,
meu desencanto,
a confiança que fica
despedaçada
seus rastros não se permitem
nem sair pacificamente
eu ainda sinto seu cheiro
ecoar na minha mente.


Maria dos Anjos